O inimigo da vez é
o terrorista. A Copa do Mundo está chegando e a pressão popular e midiática
aumentando. Faltava o pretexto, que veio com os aloprados "Black
Blocs" bem como com a morte do cinegrafista Santiago Andrade, durante os
protestos no Rio de Janeiro. Enquadrar o terrorista na antiga Lei de Segurança
Nacional constitui um duplo problema: de legalidade (porque ela não descreve os
atos terroristas) e de lembrança da ditadura militar. Algo precisa ser feito
imediatamente. Foi acionado o botão verde do deplorável populismo
punitivo. O legislador brasileiro populista, de olho nas próximas
eleições, está se comportando de forma mais terrorista que todos os supostos
terroristas. Ele diz que vai fazer a sua parte, aprovando leis novas mais
duras. Típico charlatanismo, que espelha um tipo de bandidagem política.
"Quando você
pune levemente, você passa para a sociedade a ideia de que o crime compensa. E
o crime não pode jamais compensar" (lição moralista sobre a criminalidade,
vinda justamente de quem, pela sua experiência parlamentar, entende do assunto:
Renan Calheiros). O primeiro vice-presidente do Senado, o petista Jorge Viana,
num surto de histeria e abominável oportunismo, completou: "Foi, sim, uma
ação terrorista o que nós vimos na manifestação" (do RJ).
Emocionalmente sim,
jurídica e tecnicamente isso é uma aberração incomensurável, porque confunde o
crime comum com o terrorismo. E é o que o irresponsável e irracional
legislador, sob "o fogo das paixões" (como dizia Beccaria), está
prometendo fazer: deve aprovar um projeto (Romero Jucá foi relator) que
transforma todo crime comum que cause "terror ou pânico generalizado na
população" em terrorismo, esquecendo-se que este exige uma finalidade ou motivação
específica (religiosa, política, ideológica, filosófica, separatista etc.),
como tínhamos definido na nossa Comissão de Reforma do Código Penal.
Na sociedade do
espetáculo (Debord, Lipovetsky, Vargas Llosa), a lógica da legislação penal
emergencial e populista é sempre a mesma: agir logo em seguida a um fato
espetacularizado pela mídia, no calor dos acontecimentos e, se possível, com o
cadáver ainda sobre a mesa. Assim ocorreu após o sequestro de Abílio Diniz
(veio a lei dos crimes hediondos), o assassinato de Daniela Perez (segunda lei
dos crimes hediondos), o escabroso assassinato da Favela Naval (lei da
tortura), o escândalo dos anticoncepcionais (lei dos remédios falsos, prevendo
dez anos de cadeia para a falsificação de esmalte), os ataques do PCC (lei do
RDD), a violência nos estádios (estatuto do torcedor) etc.
Aviso importante ao
leitor desconectado: nenhuma dessas leis (150 no total, de 1940 a 2013, sendo
72% punitivas) nunca jamais diminuiu qualquer tipo de crime no Brasil. Pura
performação simbólica. Mas boa parcela do povo gosta de mais leis, daí o
rendimento eleitoral. O sucesso do charlatão está sempre ligado à existência de
quem acredita nele. É hora de o brasileiro medianamente informado dizer que não
quer mais cumprir o papel de otário.
LUIZ FLÁVIO GOMES, 56, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
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