A
ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, concedeu entrevista ao jornal
Valor Econômico na qual fala sobre o programa de concessão de rodovias do
governo federal. De acordo com a ministra, as novas concessões buscam
equilíbrio entre o retorno ao investidor e a sustentabilidade na tarifa.
Confira
os principais trechos da entrevista da ministra aos jornalistas Daniel Rittner
e Leandra Peres do Valor:
Valor: O governo lançou o programa de
concessões há mais de um ano e o primeiro leilão de rodovias ficou longe do
sucesso esperado. O modelo está errado?
Gleisi
Hoffmann: O modelo
é adequado. É resultado de uma análise dos processos de concessões de rodovias
que tivemos até agora. As primeiras concessões, no governo Fernando Henrique,
tinham foco na arrecadação. Vendia-se o direito de explorar uma rodovia, sem
necessariamente uma preocupação com o investimento e o nível de serviço. Temos
hoje pedágios caros. A segunda fase de licitações de rodovias, para se contrapor
a esse modelo, adotou o critério de menor tarifa. Conseguimos pedágios baratos,
mas não necessariamente retorno em termos de investimentos necessários para
melhorar algumas rodovias.
Valor: E agora?
Gleisi: Buscamos um modelo equilibrado.
O que deixa uma concessão de pé é a capacidade e a concordância do usuário em
pagar aquela tarifa. E não necessariamente a TIR. Deu-se muito foco à taxa
interna de retorno.
Valor: O que a senhora quer dizer com
"muito foco à taxa de retorno"?
Gleisi: Primeiro, falava-se que não
queríamos que o empresariado tivesse lucro e que não gostamos da iniciativa
privada. Isso é uma besteira. É como se ficássemos em torno de uma mesa
discutindo como ferrá-los. Óbvio que não! Todas as nossas discussões eram e são
para ter um modelo equilibrado, com retorno ao investidor, mas com
sustentabilidade na tarifa.
Valor: O ministro Guido Mantega errou
ao enfatizar as variáveis financeiras?
Gleisi: Não, de forma alguma. As
questões financeiras foram muito bem equacionadas: o project finance, taxas de
juros, garantias e até mesmo a reavaliação da TIR. O fato de as empresas se
dedicarem a um estudo mais refinado depois da publicação dos editais é que faz
com que estejamos vendo alguns problemas agora. Às vezes, a capacidade das
empresas de estudar concomitantemente essas concessões e nos dar retorno sobre
a realidade também é limitado. Ninguém havia investido tempo, dinheiro, energia
antes do lançamento dos editais.
Valor: É por isso que o leilão da BR
262 não teve interessados?
Gleisi: Tivemos três problemas. O
primeiro foi a realização de leilões concomitantes. Nesse primeiro lote, houve
um interesse maior na BR-050, mas a BR-262 era uma concessão atrativa. Outro
ponto é que a rodovia está no Espírito Santo, um Estado com histórico de
contrariedade com pedágios. Isso foi reforçado com as manifestações do
governador e da bancada. Em terceiro, acredito que houve falhas de comunicação.
Pelo menos uma resposta dada pela ANTT teve impacto [na avaliação dos
investidores].
Valor: A senhora se refere ao risco de
o Dnit não concluir sua parte nas obras e não haver como reembolsar o
investidor?
Gleisi: Sim. Se uma obra pública não é
feita e compromete o processo, isso é responsabilidade do Estado, o que gera a
possibilidade de reequilíbrio econômico do contrato. Foi de fato uma resposta
equivocada [da ANTT].
Valor: A senhora considera que um
pedágio de R$ 12, como previsto na BR-101 (na Bahia), terá a concordância dos
usuários?
Gleisi: O modelo está correto, mas pode
ser que não consigamos encaixá-lo para algumas rodovias porque têm pedágio
muito alto ou porque não poderão remunerar o investidor como ele quer. No caso
da BR-101, o próprio ministro César Borges pediu para deixá-la para o final, a
fim de termos uma avaliação melhor. Se chegarmos à conclusão de que é
impossível fazer concessão, vamos migrar para obra pública.
Valor: Há intenção em rever trechos de
algumas concessões?
Gleisi: Não é impossível reavaliar isso,
mas precisamos de um tempo para todas as respostas. Estamos ouvindo as
empresas, o mercado, as construtoras. O ministro César Borges está coordenando
esse processo.
Valor: É possível que rodovias saiam do
plano de concessões?
Gleisi: É possível uma avaliação como
essa. Temos que lançar [os editais] no mercado, saber a reação e sentir se elas
são exequíveis ou não nesse modelo. Se a combinação de capex [volume de
investimentos] e de taxa de retorno requer uma tarifa que onera demais o
usuário, então a concessão não se viabiliza.
Valor: A duplicação das rodovias em
cinco anos é "cláusula pétrea"?
Gleisi: Não diria que ela é cláusula
pétrea, mas é importante para que se possa responder às necessidades do país.
Temos estradas em que a demanda já requer duplicação em prazo imediato. Não dá
estender os investimentos em 10 ou 15 anos. Não teria aderência à realidade.
Valor: As empreiteiras também criticam
a ausência de previsão para riscos de contingência. O governo estuda permitir
correções na tarifa em caso de eventos inesperados?
Gleisi: A contingência tem impacto na
tarifa. É preciso calcular esse impacto. Alguém tem que pagar e precisamos de
muita cautela para fazer esses cálculos. Se é uma concessão, quem paga é o
usuário.
Valor: Qual será a próxima rodovia a
ser leiloada?
Gleisi: O TCU nos informou que deve
apreciar os processos de novos lotes nesta ou na próxima quarta-feira. Se o
tribunal liberar nesta semana, talvez possamos lançar em seguida o edital da
BR-060 ou o da BR-163. Aí, são 30 dias até o leilão.
Valor: O consórcio vencedor da BR-050
não incluiu nenhuma das grandes empreiteiras. Por quê?
Gleisi: Elas têm um portfólio maior de
obras que já estão tocando e são empresas mais alavancadas. Quando entram em um
processo como esse, têm uma margem e precisam de uma garantia maior. O
Consórcio Planalto, com nove empresas, podia ser mais ousado em uma
concorrência como essa.
Valor: Um outro assunto que está na
pauta do governo é o socorro às empresas aéreas, que estão registrando
prejuízos bilionários. A sra. já tem uma resposta?
Gleisi: Com o crescimento da demanda por
transporte aéreo, esse setor ganhou ainda mais importância. Mas Já fizemos um
esforço grande para ajudar as companhias aéreas. Desoneramos a folha de
pagamento, suspendemos o aumento de taxas de navegação aérea e retiramos as
tarifas aeroportuárias de aeroportos regionais. Foram contribuições relevantes.
Infelizmente, o retorno que tivemos das empresas foram demissões, enxugamento
de rotas e aumento de passagens. Então, temos muita calma e tranquilidade para
analisar o que elas estão colocando na mesa. O governo entende que já deu uma
grande ajuda a esse setor.
Valor: Mas as companhias afirmam que,
nos últimos meses, todo o esforço que fizeram para reduzir custos foi corroído
pela alta do dólar.
Gleisi: O dólar é inerente aos negócios
no setor aéreo. E a taxa de câmbio também já recuou.
Valor: O governo tem três opções para
abrir o setor aéreo ao capital estrangeiro. Existe alguma inclinação por uma
dessas alternativas?
Gleisi: Isso é uma discussão interna e
embrionária. Não temos ainda uma posição.
Valor: Há fortes dúvidas também sobre a
viabilidade e até sobre aspectos legais das novas concessões de ferrovias. Como
destravar esse processo?
Gleisi: Estamos apresentando um modelo
novo. Não há uma cultura de construção de ferrovias no Brasil e poucas empresas
têm essa expertise. É natural que haja dúvidas e até resistências. Cabe a nós
conversar, interagir e prestar esclarecimentos, mostrando como esse modelo se
sustenta. Tivemos um modelo muito ruim para o país que era baseado em outorga,
em arrecadação e deixava pedaços de ferrovias sem utilização. Tivemos um
sucateamento de boa parte da malha.
Valor: A senhora se refere às
privatizações feitas durante o governo FHC. Mas o economista Edmar Bacha,
ligado ao PSDB, afirma que o modelo de concessões de infraestrutura adotado
pelo atual governo não favorece a competição.
Gleisi: Vi nos jornais alguns senhores
da Casa das Garças [centro de estudos ligado ao PSDB] nos criticando. É sempre
bom fazer uma autocrítica antes de apontar o dedo. O que eles entregaram ao
país, em termos de concessões de ferrovias e de rodovias, não foi o melhor
modelo. Em ferrovias, foi um desastre completo.
Valor: E no caso de rodovias?
Gleisi: Foi um pedágio alto, uma reação
da população aos valores da tarifa e um processo de investimento questionável.
Valor: Será necessário algum ajuste
legal para que o modelo de ferrovias se enquadre na legislação vigente para as
concessões?
Gleisi: Estamos discutindo com os
ministérios dos Transportes e do Planejamento uma medida para reestruturar a
Valec, para deixar claro como será exercida a garantia de compra de carga pelo
governo, porque muitas ferrovias vão iniciar a operação com déficit. Acredito
que, com esse esclarecimento, conseguiremos dar resposta a esse questionamento.
Valor: Quando a medida será enviada ao
Congresso?
Gleisi: Queremos enviar ainda este ano.
Não sei se na forma de uma medida provisória ou projeto de lei com regime de
urgência.
Valor: O governo recebeu mais de 3 mil
contribuições durante a audiência pública para a licitação de novos
arrendamentos no Porto de Santos. O que será considerado?
Gleisi: Queríamos enviar os estudos de
Santos ao TCU no início da semana que vem. Mas levaremos mais uma semana porque
causa da quantidade de contribuições na audiência pública.
Valor: Havia uma discussão sobre retirar
do processo de licitação a área de Saboó. Será feito?
Gleisi: Há muitas contribuições para não
se mexer [nessa área do porto]. Mas alguns contratos não têm nem base legal
para prorrogar, pois são anteriores à lei de 1993. Nos que têm previsão de
prorrogação, vencida a primeira perna, vamos licitar. Não tem sentido ficar com
um terminal pequenininho no meio de um outro terminal grande com cargas que não
têm a ver. Porto precisa de escala e, em Santos, procuramos especializar um
pouco as áreas, cuidando para que tivessem competitividade.
Valor: O leilão da BR-050 e a lista de
participantes do leilão do campo de Libra foram vistos como indicação de que
falta apetite do investidor estrangeiro para vir para o Brasil. A senhora
concorda com essa avaliação?
Gleisi: A relação das empresas
interessadas no leilão de Libra mostram que há interesse de estrangeiros.
Valor: O governo espera maior
participação de investidores externos nos próximos leilões de ferrovias e
rodovias?
Gleisi: Nós gostaríamos que tivesse, mas
é muito difícil avaliar. Isso depende de uma composição das empresas.
Valor: As chances de sucesso do
programa de concessões diminui com a ausência dos estrangeiros?
Gleisi: Estão surgindo players novos.
Acredito que temos uma quantidade de empresa se preparando para entrar nesse
processo.
Valor: Há previsão de reajuste para
combustíveis?
Gleisi: Não está sob minha alçada tratar
disso. Vocês vão perguntar, eu não vou responder.
Valor: Para finalizar, o governo mantém
a expectativa de que as concessões puxem o crescimento econômico no último
trimestre e em 2014, mesmo diante das revisões?
Gleisi: Mesmo reavaliando o cronograma,
teremos muitas concessões até o fim deste ano. Temos os dois aeroportos (Galeão
e Confins), os portos de Santos e do Pará. Podemos licitar também Paranaguá e
Bahia. Já soltamos duas rodadas dos terminais privados. E pelo menos um trecho
de ferrovias, gostaríamos muito de ter este ano. Então, ainda que
reconsideremos o cronograma, teremos um volume significativo de concessões.